domingo, 27 de janeiro de 2013

Rascunho


Durante a infância, passava horas e horas folheando revistas a procura de propagandas com as modelos fotográficas em suas poses femininas, com seus gestos delicados, a boca levemente aberta em uma espécie de convite imaginário para que eu fosse a próxima garota ali estampada num domingo qualquer. Havia paixão e certo conformismo ao fazer isso, pois quando as olhava, um raio me partia ao meio, uma metade sonhando com o dia que seria mulher de verdade e outra metade sofrendo o pesadelo da vida real.

Esses episódios me mostravam que Eu era apenas um rascunho dentro da própria vida, tentando desenhar uma personagem real, capaz de protagonizar uma história verídica. Cada vez que saboreava aquelas páginas, a realidade indigesta me dava um sentimento de frustração por não saber quando iniciaria a peregrinação rumo a terra do nunca ou àquelas paginas da infância.

Os primeiros traços ainda fracos e cheios de insegurança, desenhavam um rosto recortado com os cabelos da Maria Fernanda Cândido, a sobrancelha e os olhos da Sophia Loren, o nariz de Jessica Alba e a boca e queixo de Angelina Jolie. Não conseguia enxergar que aquela construção toda resultaria em uma colcha de retalhos irreconhecível, imaginando ter partes de alguém para me tornar uma mulher bonita.

Um belo dia me dei conta de que esse remendo todo na verdade jamais seria Eu, da mesma forma que todos aqueles rostos rascunhados em papéis sem vida. Seriam meus, apenas em papel. Exatamente neste ponto comecei a recuperar minha autoestima e ver com clareza que o rosto que sempre sonhei em ter na verdade é o meu próprio rosto, com seus relevos suaves e com a beleza com que fui concebida, natural.

Deixei de fazer rascunhos de personagens imaginários com sobrancelhas arqueadas, olhos expressivos milimetricamente delineados, narizes suaves, traços ultradelicados que não me caberiam nem com cirurgia e passei a ver no espelho os traços definitivos dos rascunhos que jamais desenhei. Saí do papel para ganhar vida, não mais sendo uma personagem guardada em uma pasta esquecida em um canto de um quarto qualquer, e sim, sendo Eu mesma em todos os meus aspectos físicos e biológicos.

Apaguei o esboço da história que não vivi, dos desenhos que jamais ilustrariam qualquer história em que a personagem principal era, na verdade, um fantasma, de uma época que passou em branco em minha vida. Passei a escrever a história ilustrada de uma garota forte, corajosa, batalhadora, e feminina, cheia de vida que bateu asas e voou para o mundo para viver as experiências de sua nova história.

Um certo alguém tentou me apagar de sua vida, negando a minha real existência, torcendo para que os traços de algum desenho não fossem os definitivos para me transformar em realidade. Ele não consegue me apagar da própria vida, simplesmente por que deixei de ser um rascunho e me tornei uma pessoa real.

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