quinta-feira, 27 de junho de 2013

Parâmetros


Meu modelo de uma vida feliz se resume a coisas simples, entretanto, uma delas exige um esforço sobrenatural para conquistar. Nada é impossível quando se tem em mente que a longa caminhada rumo à felicidade começa com um primeiro passo. Não tenha medo de sair da inércia, cada passo vale à pena - e muito.


Pra viver a vida normal que havia formado como parâmetro nos meus sonhos possíveis de realizar quando ainda era pequena, teria que enfrentar um grande desafio, sem dúvida o maior pelo qual alguém passa: ajustar meu corpo à minha mente. Algo me bombardeava com a imagem de felicidade, mas se, e somente se, Eu tivesse meu corpo feminino, e de fato foi isso mesmo que acabou acontecendo, meu parâmetro de felicidade estava condicionado a esse fator, super importante pra mim.

Não que Eu abri mão de ser feliz enquanto a transição não começava, mas fingia muito bem isso e fingir pro exterior é muito mais fácil do que pra si mesma. Você pode enganar uma pessoa por muito tempo, algumas por algum tempo, mas não consegue enganar a todas por todo o tempo [1]. Havia um falso parâmetro de felicidade num corpo masculino que se resumia a ser alguém que EU jamais seria: extrovertido, tagarela, másculo e desleixado, a típica imagem do macho dominante, completamente diferente da minha delicadeza, sensibilidade, feminilidade e dos meus desejos e sonhos românticos femininos.

Depois de muito tempo de castigo na solitária e uma conversa franca comigo mesma, um insight profundo me fez pensar que para que Eu soubesse se estava feminina a ponto de ter minha tão sonhada vida feliz, eu teria que fazer parte de uma amostra e isso incluiria estar inserida num grupo de mulheres, sair com elas, conviver nesse grupo, enfim, ser um item aleatório dessa amostra, o que pra mim não seria difícil graças ao convívio exclusivamente feminino na infância e parte da adolescência. O desafio agora era adequar os maneirismos e alguns pequenos detalhes para que Eu pudesse ser vista como mulher por quem estava observando o grupo pra não contaminá-lo.

Tive que escolher alguns modelos de maneirismos femininos e comecei a observar em filmes. Quem se aproximaria da imagem de mulher perfeita que Eu havia criado? Teria que ser alguém super feminina, educada, recatada mas com certa sensualidade, dentre outras características, uma Lady e apareceu uma pequena lista de modelos que serviriam pra que Eu pudesse dar início a mais essa etapa da transição. Minhas eleitas foram Tina Fey, Kate Beckinsale, Carrie-Anne Moss, Dira Paes e isso nunca teve ligação com beleza e sim com feminilidade e com o que se aproximava do meu ideal de feminino sem parecer algo exagerado, interpretativo ou caricato.

A observação foi fundamental e estes modelos me ajudaram muito a evoluir como mulher, me dando mais segurança em seguir adiante. Não foi necessário interpretar, os maneirismos eram algo que sempre foram intrínsecos à minha pessoa, só precisava começar a colocar em prática novamente e pra minha surpresa depois de apenas quatro meses todos eles estavam lá de forma natural.

Não se trata de escolher os modelos certos ou errados, apenas escolha o que te identifique, afinal o melhor parâmetro é aquele te faz uma pessoa melhor e feliz.

[1] Abraham Lincoln

terça-feira, 11 de junho de 2013

(Não) Temos vagas


Custo a acreditar que estamos fadadas ao subemprego, aos salões de beleza, à prostituição. Somos tão capazes quanto qualquer outra pessoa, entretanto é mais fácil fechar os olhos para um problema do que encarar a realidade, e é isso o que a iniciativa privada (não generalizando) nos oferece como opção, retirando nossa capacidade de viver a plenitude profissional.

Quando Eu era pequena, tinha um sonho profissional que era ser auditora. Adorava brincar de escritório, organizar papéis, lápis, canetas e emitir meus pequenos relatórios em riscos ilegíveis de quem está aprendendo a escrever. Me formei em Ciências Contábeis, estudei inglês, cursei uma pós-graduação, dedicava horas e mais horas a estudar, arregacei as mangas, fui à luta e venci.

Em 2004 consegui entrar para uma das Big 4 de auditoria, onde passei sete anos da minha vida. Vida pessoal e projetos que ficaram do lado de fora da porta quando assinei o contrato de trabalho, o que me identifica, palavra por palavra esta passagem do filme MIB Homens de Preto.

Adorava o trabalho e em meados de 2010 com as diversas ações que trouxeram à tona o tema diversidade sexual, a empresa implantou mundialmente uma política de inclusão realmente eficiente. Todos são bem-vindos, desde que sejam capazes de passar pelo processo de seleção esmagador e realmente não importava nenhuma questão de identidade de gênero, toda pessoa era uma pessoa e com suas diferenças respeitadas poderia contribuir igualmente para o desenvolvimento da empresa.

Em meados de 2011, no auge da minha crise depressiva, abri o jogo e me senti de fato acolhida e senti na pele o quanto a política de inclusão estava enraizada nas pessoas ao meu redor, embora em alguns momentos Eu não estivesse livre de brincadeiras, em outras palavras, bullying. Pude também notar a mobilização e todo o esforço que o RH e o alto escalão estavam fazendo para me ajudar durante o processo de transição. Fiz apenas dois pedidos: 1) não seria bandeira de nenhum movimento; 2) não gostaria de ter meu nome divulgado nos comunicados internos.

Embora estivesse num ambiente agradável de trabalho, para algumas pessoas a política de inclusão conflitava diretamente com suas crenças, e isso me fez pegar nojo de certas pessoas que se achavam superiores a tudo. No início de 2012 tomei a decisão mais difícil, me desliguei da empresa e segui meu rumo, entrando de cabeça nessa jornada maravilhosa da transição, trabalhei o ano de 2012 inteiro me escondendo atrás de uma farsa masculina. Como não conseguia mais me expressar ao final de 2012 optei por buscar mais uma vez meu sonho profissional, porém no serviço público.

As entrevistas de que participei posteriormente, estavam mais para um programa estilo Jô Soares, onde me recusava a responder perguntas de cunho personalíssimo e os nãos e outras desculpas esfarrapadas fizeram parte frequente da minha vida.

Atualmente dedico as horas do meu dia na busca do meu lugar ao sol no serviço público, contudo, isso não quer dizer que estarei num ambiente livre de preconceitos, onde terei aceitação incondicional, onde serei respeitada, posso estar enganada, como dizem os mais arrojados, regras são feitas para serem quebradas e no serviço público há muitas, que não serão quebradas comigo.