terça-feira, 16 de julho de 2013

Opinião - Paradigmas


Geralmente a primeira impressão é a que fica, e no caso das transexuais, essa primeira impressão já é formada erroneamente antes mesmo do primeiro contato.

Uma coisa é certa, a palavra transexual impõe uma série de paradigmas enraizados profundamente nessa miséria cultural e na falta de pensamento crítico. O senso comum diz que toda transexual é prostituta, toda transexual é derivada de um gay afeminado, toda transexual tem, sexualmente, que gostar de homens e mais uma vez o senso comum está ridiculamente errado. Acham que estamos presas a esse tripé, quando na verdade em toda regra há exceção - e milhares!


Dia desses fui surpreendida por uma pergunta de uma terceira feita ao meu irmão, com quem divido muito da minha vida, essa terceira havia perguntado a ele se eu só fazia programa. Qual não foi a surpresa dela ao saber que não faço e jamais tive que fazer programa pra sobreviver. Senso comum. Não consigo ter um sentimento negativo por quem na verdade merece compaixão, com quem está presa na própria ignorância. O mundo vai muito além de onde minha visão consegue alcançar, mas há quem tem a convicção que não.

Mesmo não existindo oficialmente um sistema de castas aqui no Brasil, o que acontece conosco é exatamente isso. Com muito esforço e vontade de lutar por uma vida melhor, conseguimos a recompensa, mesmo que parcial de uma vida mais digna. É importante saber que existem milhares de nós espalhadas por esse mundo e que conseguem romper essa ignorância. Não estamos amaldiçoadas a viver da maneira que não queremos, castigadas por buscar nossa felicidade, agredidas e violentadas por sermos quem somos. Existe um mundo muito melhor, é preciso força, pois às vezes ele parece estar um pouco distante.

Quando cheguei onde moro atualmente, obviamente, ela abriu o portão para que pudéssemos conversar um pouco, e antes que Eu pudesse dizer meu nome vieram as primeiras condições, então ela esperava que Eu me levantasse e fosse embora, poderia sim ter feito isso, com toda certeza, mas se naquele momento virasse as costas estaria concordando com o que o senso comum prega. As condições seriam: i) não quero quem faz programa e ii) não quero que use roupas vulgares, o lugar perfeito pra mim. A ignorância, infelizmente, comum nessa província chamada Blumenau. Um lugar bom pra viver e como a grande maioria das cidades o que acaba por transforma-la num péssimo lugar pra se morar são as pessoas e seus preconceitos.

Realmente há pessoas iluminadas, que além de afirmarem não ter preconceito, agem de coração aberto e tratam todos como iguais, apesar das diferenças que cada um carrega dentro de si. As oportunidades que essas pessoas nos proporcionam, seja numa conversa ou num simples gesto, podem ser a oportunidade que estávamos esperando pra conseguir ver o mundo de uma forma menos agressiva e mais humana.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Interpessoal - parte I


Não é preciso muito esforço para que as pessoas te tratem de acordo com o gênero com que você se identifica, basta um pouco de bom senso e boa vontade. Às vezes nem é preciso base, delineador, batom, sombra ect…basta pedir para quem te atende que te trate de tal forma, pra mim funcionou muito bem.



Costumo ficar muito tensa quando entro pela primeira vez num lugar, entretanto, já estive várias vezes neste mesmo laboratório, mas desta vez a diferença se resume ao tempo e às mudanças hormonais cada vez mais acentuadas. Semana que antecede consulta com endocrino é semana de exames. A última vez que estive no laboratório foi há seis meses, ainda com rosto e roupas masculinos - ok, nem tanto, e um documento que apresenta o nome de alguém que cedeu seu lugar nessa vida pra que eu pudesse viver.

Retorno ao laboratório e desta vez com rosto e roupas femininas, o oposto do que se viu algum tempo atrás. O documento continua o mesmo e esse é o momento que deveria ser constrangedor, só que não. A relação de exames com meu nome social e o documento com meu nome civil, peço pra recepcionista que na hora de me chamar, o faça pelo nome social, e assim foi, pra minha surpresa, sem constrangimentos e com minha dignidade e condição de gênero respeitadas do início ao fim da coleta de sangue.

Acho um ato tão simples de ser executado e que não requer esforço, basta um pouco de bom senso e vontade pra que todos continuem felizes, é uma linha tênue entre o céu e o inferno. As pessoas não entendem o quanto isso machuca, basta uma letra A nos verbos, adjetivos, substantivos, etc., simples assim, mas há quem insiste em não fazê-lo, e é nessa hora que o chão pode desaparecer sob seus pés, como em algumas ocasiões que passei.

Ás vezes não é preciso maquiagem e roupas femininas pra te tratarem como mulher. Basta um pedido singelo e aguardar o desfecho, apreensiva. Nas três ocasiões em que estive na clínica onde realizei a feminização facial foi assim, apenas solicitei à recepcionista que me anunciasse como Gabriella e quando estivesse liberada minha subida que também utilizasse esse nome que ecoaria por todo o saguão do prédio, mais uma vez minha solicitação foi atendida. Todos felizes, continuamos cada uma em seus afazeres.

Pude perceber que as pessoas quando querem te tratam de acordo com sua identidade de gênero, foram poucos os lugares onde tive um tratamento não digno, e são nestes lugares que não voltei a colocar os pés. Minha autoestima e dignidade são mais importantes que um sabor que pode ser reproduzido em casa ou em outro local que te trate como mereces. 

Quando ocorre de me tratarem no gênero masculino, talvez esse seja o melhor que essas pessoas conseguem fazer do alto de seus preconceitos e ignorâncias, retribuo com um sorriso, um muito obrigada e -10% na conta.