quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Lado B Lado A


O fato é que ainda levo uma vida dupla perecível, com prazo muito próximo para expirar a validade. Em uma vida, uma marionete manipulada por cordas invisíveis, na outra, uma pessoa autêntica em suas escolhas e atitudes. Duas vozes, dois guarda-roupas, duas personalidades, maneiras distintas de se expressar e de ver o mundo, duas vidas transformando-se em uma só, uma alma e um só corpo compartilhando sentimentos opostos, o sacrifício de um em troca da vida de outra. 

Cada oportunidade de interagir demonstra quão despreparadas estão as pessoas, para lidar com essa realidade tão antiga quanto a própria humanidade. Faz todo o sentido o ditado: As aparências enganam. Em minha tradução livre quer dizer que devemos conhecer o coração das pessoas e não se basear em sua aparência, vestimentas, maneirismos para julgar e rotular, como fomos ensinados desde o começo da vida.

Aqui dentro bate um coração que bombeia sentimentos para todos os lados, em sua maioria esmagadora, felizes, e uma situação ocorrida na última semana me deixou explodindo, como fogos de artifício: Vestida como menino, jeans e camiseta - extremamente desconfortável e anti-natural, me dirigi até uma livraria para comprar canetas, assim que cheguei no balcão, a vendedora que tinha me avistado na fila me tratou por "ela", justifica-se os fogos de artifício. Fiquei surpresa pois ainda não havia passado por situação semelhante. Tive que elogiar a moça por não se prender a imagem e sim ter enxergado meu coração.

Outra situação, que repetidas vezes me deixou melancólica até que finalmente aprendi a lidar com elas: Eu de vestido, pulseiras, maquiagem e todos os meus trejeitos naturalmente incorporados, a garçonete quando se aproximou da mesa para tirar o pedido me tratou por "ele", óbvio, fiz e faço a devida correção, a refeição perdeu o sabor dali em diante.

Costumava ficar irritada e deprimida com esse tipo de comentário, mas coisas pequenas não me balançam mais. Aprendi a lidar com esse tipo de situação quando me libertei da amarra da aceitação alheia. Estou fazendo isso tudo por mim, não pelos outros, preciso de verdade é da minha própria aceitação, que em um momento de descuido me levou ao fundo do poço e pouco depois me deu forças para escalar até encontrar o que havia perdido, o bem mais valioso que existe, a vida.
Acredito que se trata de uma cegueira seletiva ou de alguma patologia neurológica ou talvez eu não estivesse no meu lado B. Não é difícil raciocinar, mas se estou de vestido, maquiagem e adereços nos braços e com uma bolsa a tira-colo, com aparência muito mais para feminina do que masculina, deveria ser um sinal de que não quero ser tratada como algo que nunca fui: homem. Tão simples quanto somar 2+2, pode usar os dedos para contar.


Cada passo adiante, deixa para trás, uma vida falsamente masculina que vai se apagando junto com o som dos meus passos, cada vez mais distante dos meus olhos e do meu coração e que algumas poucas pessoas, ainda, insistem em me lembrar vez ou outra.

A verdade aos meus olhos é diferente da verdade dos demais, me vejo uma mulher e alguns poucos talvez desencorajados de assumir as rédeas da própria vida é que acabam apresentando esse tipo de comportamento contraditório. Quando estou vestida com roupas masculinas me tratam como mulher e quando com roupas femininas me tratam como homem, antagonismo, enquanto isso a vida segue, e de repente a vida te vira do avesso, e você descobre que o avesso, é o seu lado certo.[1]


[1] Caio Fernando Abreu

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