Tenho o costume descompromissado e ingênuo de ficar observando as pessoas, seus comportamentos e atitudes quando estou em um parque, na rua ou mesmo num barzinho, é um costume meu. Não, não sou voyeur. O jeito tímido como os dedos se entrelaçam no casal cheio de segundas intenções, as pernas cruzadas tentando conter, em vão, o fogo ardente consumindo seu corpo, o olhar de desejo.
O olhar me chama muito a atenção, por ser genuíno, verdadeiro, autêntico, confiável e imprevisível. É aqui que se escondem ou se revelam meus medos, as angústias, os sonhos, desejos, desafios e a esperança infinita de viver.
Os primeiros olhares que recebi foram os mais devastadores: os de reprovação, de negação, julgamento. Me preparei tanto esperando enfrentar tudo isso, que acreditei, fariam pouco efeito. Balancei algumas vezes, não nego, mas me mantive firme, invariável como um iceberg.
No olhar está o instinto, a beleza e o poder transformador de uma reação, está a testemunha das mudanças, a experiência dos bons e maus momentos, a delicadeza e o amor, a tristeza e a dor de quem carrega a história sofrida nas marcas do corpo.
Passada a fase inicial, ficou mais fácil conviver com os olhares de discriminação, uma realidade às vezes incômoda, mas, para mim, indolor. Então surgiu um feixe de esperança, um olhar de cumplicidade, que te conforta e aceita na sua forma mais humana.
Os últimos olhares me revelaram o paraíso, de onde ainda não consegui retornar, tamanha minha felicidade. Olhares masculinos de desejo. Aos 8 meses de HRT recebi o primeiro deles, um olhar de flerte que correspondi timidamente e que me fez derreter.